Falar sobre o que nos afeta, o que nos emociona e mexe com nossos sentimentos, desde os tempos mais antigos, foi uma preocupação do ser humano. Na Grécia, discussões regadas a muito vinho faziam o deleite de filósofos e pensadores que se questionavam sobre esses sentimentos.
Tentar descrevê-los não é uma tarefa fácil, porém, segundo o filósofo espanhol José Ortega y Gasset, é necessária. E um dos sentimentos mais investigados por essa farta literatura psicológica é o amor. Em Estudos sobre o amor, livro publicado pela editora Vide em 2019, Ortega disseca essa questão com muita observação e metodologia.
Para ele, é difícil dialogarmos sobre o assunto por não se tratar de uma ciência, de algo palpável, e que, portanto, neste sentido, o que é amor para uns não é amor para outros. Fato é que podemos observar um médico falar sobre digestão as pessoas escutam com modéstia e curiosidade. Mas se um psicólogo fala sobre o amor, todos o ouvem com desdém, melhor dizendo, não o ouvem, não chegam a inteirar-se do que enuncia, pois todos se acham doutores na matéria.
Essa conduta acaba se tornando deficitária para o debate e a interpretação do que é o objeto em si. Por isso, talvez, amor e política sejam temáticas que menos progrediram. Pois, só por não escutar as trivialidades que as pessoas vulgares apressam-se em emitir, ao serem tocadas, os que melhor exprimiram preferem calar-se. É aí que o observador, a pessoa que está a distância do objeto, no caso aqui, do amor, tem melhores condições de descrevê-lo. Assim como um astrônomo em relação ao Sol. Essa separação converte a realidade vivida em objeto de conhecimento.
Além desse exercício empírico para podermos realizar uma descrição e termos o conhecimento sobre o amor, Ortega retorna a história para tentar analisar essa questão: quando a atração física é instalada, o amor entre homem e mulher passa a acontecer. Essa atração passa a existir por volta do século XII, quando as cortes europeias se constituem e passam a fazer parte do cotidiano das pessoas que viviam na cidade. Aí é quando a mulher passa a ter seus atributos e, de certa forma, fazer parte da vida pública em eventos. Pois as insígnias de prestígio social desses cortesãos eram os gestos corporais, luxo, requinte, que acabam desenvolvendo o jogo da sedução:
detalhes nas roupas, no caminhar, no olhar entre ambos gera a faísca do amor. Em relação a outros períodos, a mulher passa a ser, nas palavras do autor, de caça à prêmio. Ou seja, a partir de agora a mulher passa a gerir seus atributos físicos e psicológicos com mais autonomia e a ser prestigiada. Desse momento em diante a mulher passa a ser mulher, quer dizer, não mais apenas mãe, filha ou irmã, mas mulher.
Daí temos esse amor que irá se desenvolvendo até chegar nos dias de hoje. Essa forma de amor que em nossa sociedade é tida como ideal, o amor romântico. Nas palavras de Ortega: o amor de enamoramento. O amor que nos sentimos encantados pelo outro, que produz ilusão integral e o sentir-se absorvido por ele até a raiz do nosso ser, como se fossemos arrancados de nosso próprio fundo vital e como se vivêssemos transplantados nele, com nossas raízes vitais nele. O interessante é que, para esse tipo de amor acontecer, e sermos pegos dessa forma, é necessário haver a entrega. Mais curioso ainda, é que essa entrega não é feita de maneira consciente, quando damos por conta já estamos submersos nela.
Em suma, é um enorme erro interpretar um amor por suas ações e palavras: nem uns nem outras costumam proceder dele, mas constituem um repertório de grandes gestos, ritos, fórmulas, criados pela sociedade, que o sentimento acha diante de si como um aparato pronto e imposto cuja força vê-se obrigado a disparar. Portanto, e por via das dúvidas, gere gestos e ritos a pessoas que você ama nos dias de hoje, eles estabeleceram essa relação com o amor e o ser amado.